10 de dez. de 2016

Manual do Jovem Orientista - Dica nr 74

Dica no 74: O trabalho de mapeamento é importante.

Alguns orientistas têm interesse especial pelo mapeamento das áreas de orientação. Não há comprovação de que o aprendizado do mapeamento auxilie na performance do orientista, entretanto, vários orientistas de boa performance também são bons mapeadores. 




Mapeamento para o PAIM.


O envolvimento contínuo com o esporte é fundamental para o bom mapeador, segundo recomendação da IOF. Por essa razão todos os mapeadores precisam ter experiência em vários tipos de terreno e vegetação, para poderem trabalhar com melhor qualidade. O limite diário do trabalho de campo é de 6 horas contínuas ou dois períodos de 4 horas, isso para um mapeador com ótimo preparo físico. Um mapa bom para dois percursos (médio e longo) leva pelo menos duas semanas de trabalho de campo e o mesmo tempo correspondente de trabalho em horas de digitalização num computador. A qualidade do mapa é diretamente proporcional ao tempo total de trabalho dedicado a ele, quanto mais tempo disponível, melhor será a qualidade do mapa. A prática é fundamental para o desenvolvimento da qualidade no trabalho de campo e rapidez na execução da digitalização. O manuseio do programa de desenho no computador é bastante intuitivo, mas a prática e o conhecimento de todas as ferramentas fazem muita diferença entre um mapeador novato e outro experiente.

Como sugere a IOF, o mapa deve conter todas as características que sejam bem visíveis no terreno e que sejam úteis à sua leitura. Durante o trabalho de campo deve-se manter a clareza e legibilidade do mapa, mas a legibilidade nunca deverá ser sacrificada a favor da apresentação em excesso de pequenos detalhes ou elementos no mapa. Como tal, é necessário, no trabalho de campo, definir tamanhos mínimos para muitos tipos de detalhes, respeitando os valores mínimos estabelecidos pelas normas da IOF. Estes tamanhos mínimos poderão variar consideravelmente de um mapa para outro de acordo com a quantidade existente dos detalhes respectivos. No entanto, a consistência é uma das mais importantes qualidades de um mapa de orientação, isto é, o que for definido como padrão para um mapa não deve ter diferenças em partes distintas dentro do mesmo mapa, mesmo que este seja feito por dois ou mais mapeadores. Neste caso é bom que um dos mapeadores faça a revisão final, percorrendo a área que os demais mapearam, fazendo a padronização.


Deve ser observado que o trabalho de mapeamento pode atrapalhar os atletas na fase específica de treinamento, próximo a competições importantes. Em 2006 eu fui o 2o colocado no CAMORFA, mas foi marcada uma outra seletiva para o Campeonato Mundial no Brasil cerca de três meses depois. Neste intervalo, estive mapeando sozinho uma área grande para a prova de orientação do Mundial de Pentatlo Aeronáutico, que também foi no Brasil. Eu havia mapeado uma área nova de treinamento no início do ano, antes do CAMORFA, mas tive que preparar outro trecho diferente para treinamento, além da área para a competição. Enquanto eu estava mapeando, os demais atletas estavam treinando normalmente, fazendo a preparação para a seletiva e a competição que viria depois. O resultado foi que fiquei fora da equipe nacional depois da seletiva final. Se estivesse treinando com os demais, certamente meu desempenho na seletiva teria sido melhor. 

Os atletas de elite que também são mapeadores devem agendar o trabalho de campo apenas para a fase básica de treinamento, longe das competições principais, onde não atrapalhe os resultados esperados para a temporada.

O trabalho de mapeamento tem seu lado bom. Eu comecei a fazer mapas pela necessidade de novos mapas e falta de pessoal disponível para este trabalho, mas fiquei surpreso ao iniciar meus primeiros trabalhos de campo. Eu comecei a aprender a mapear em 1990, devido à necessidade que tínhamos de novos mapas para os eventos que podíamos realizar com nosso clube. Comecei aprendendo com um cartógrafo do Exército, e logo depois adquiri e traduzi o manual da IOF, para aprender os aspectos mais importantes do mapa de orientação. As regras básicas são as mesmas até hoje.  Depois participei de eventos internacionais como atleta e fui o primeiro mapeador brasileiro a participar do Simpósio Internacional de Mapeadores da IOF em 1991. Neste simpósio, além das palestras e práticas sobre a padronização da simbologia dos mapas, foram apresentadas as soluções da época para o desenho de mapas no computador: uso do Illustrator com a simbologia da IOF e o OCAD versão 3. 

Até aquele momento eu havia apenas trabalhado como auxiliar na confecção de dois mapas de orientação e como traçador de diversos percursos. No segundo semestre de 1992 tive a oportunidade de fazer o trabalho de campo para o mapa de orientação do Complexo Naval da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, que já tinha uma planta digitalizada. Foram várias semanas de trabalho de campo e mais algumas outras para passar a limpo no OCAD versão 4, até que o mapa ficou pronto em Fevereiro de 1993. Este foi o primeiro mapa feito pelo processo digital desde a base até a impressão dos percursos, e foi utilizado naquele ano para uma competição de orientação do Corpo de Fuzileiros Navais. 

Mesmo sendo um atleta que gostava de competir, quando comecei a mapear eu senti o prazer de explorar novas áreas e a surpresa ao descobrir objetos no meio da floresta. Cada parte de um mapa é cheia de surpresas, desde o tipo de vegetação, objetos que devem ser mapeados e que servem para pontos de controle, até os elementos que não fazem parte do mapa, como as flores e os animais que eventualmente encontramos. Naquele primeiro mapa eram muito comuns os lagartos do tipo Teiu, alguns com cerca de 1,5m de comprimento. Animais perigosos são mais raros, em 20 anos eu encontrei apenas três cobras, onde sempre devemos evitar o contato, passando a uma distância segura, pois geralmente estavam dormindo nesses avistamentos, mas duas delas pareciam Jararacas (que são muito perigosas) e a outra era uma Jiboia (que não é venenosa). Entre os mamíferos, o mais raro que vi foi um bando de Quatis, que também evitei por estarem em mais de meia dúzia. E vi uma onça parda quando chegava de moto em uma área; sendo que a parte mapeada daquela fazenda era bem menor que a mata que fazia parte de seu território, mas alguns meses antes eu havia encontrado o que sobrou de um ouriço, feliz por não o encontrar com vida nem quem o fez de jantar.


Apesar de ser um trabalho que exige bastante resistência física para um trabalho de várias horas seguidas, não é um trabalho entediante, pelo contrário, cada parte de um mapa novo é uma caixa de surpresas. Além de paisagens surpreendentes que podemos descobrir em vários locais, algo que compartilhamos com os demais orientistas, o mapeador tem surpresas extras ao encontrar elementos que ainda não foram mapeados. Da mesma forma que cada ponto de controle é uma surpresa para um orientista, em cada parte nova o mapeador se surpreende com os elementos que vão surgindo para serem adicionados ao mapa. Vários desses elementos são interessantes para serem usados como pontos de controle, sendo que alguns são verdadeiras surpresas, seja pelo tipo de elemento, ou se pelo local onde se encontram. Eu sempre me surpreendo com cupinzeiros  com dois metros de altura, por exemplo, que não são raros de encontrar no Brasil. Outro dia encontrei dois cupinzeiros em formato de torres gêmeas com uma ligação no alto entre eles; a gente imagina que seja algo aleatório, que caiu um galho e foi feita aquela ligação, mas é impressionante porque os dois fazem parte de uma mesma colônia e cresceram de forma paralela para possibilitar tal formato. Mesmo quando tem uma área grande para mapear, a cada hora o mapeador tem vários novos elementos para colocar no mapa, e isto faz com que seu trabalho não seja entediante, é uma busca constante de novidades, que frequentemente traz várias surpresas.