Tivemos entre os participantes do Portugal O-Meeting de 2012 o brasileiro Ronaldo André Castelo dos Santos, que correu na categoria H21SE. Ele foi o último a completar os quatro percursos, quase três horas a mais que a soma do primeiro colocado. Eu dou meus parabéns a ele por seu feito! Ronaldo é um orientista que começou na universidade e que passou a competir na Elite ao passar a trabalhar com a Marinha. Até para os demais orientistas brasileiros com melhor treinamento, ainda é difícil acompanhar o ritmo da Elite internacional. Eu constatei isso há mais de 20 anos atrás, quando passei por uma situação semelhante, em minha primeira competição na Europa! Escrevi na dica que encerra o "Manual do Jovem Orientista" sobre a experiência mais marcante de minha carreira de orientista. A parte final dessa dica foi reportada na Revista Skogssport de 1990.
Dica n° 100 - Nunca desista!
Em 1990 participei dos Cinco Dias de Orientação da Suécia. Fui o único brasileiro a participar naquele ano, e fiz a Clínica para Atletas de Elite do O-Ringen. Um fato curioso foi que, além de participar dos 3 dias da clínica, ainda corri na H21E, provavelmente o primeiro brasileiro a competir nesta categoria na história desta competição, onde todos os percursos tinham mais de 10km. Apesar do bom preparo físico, o 5º dia de competição era na realidade o 8º dia de percursos seguidos! Nos quatro percursos anteriores eu tive as dificuldades normais dos percursos, com alguns erros não muito grandes, sendo que nos primeiros dias tinha feito tempos próximos a 1h 51min. Meu ritmo médio era de 8 minutos por quilômetro.
Naquele último dia a ordem de partida era de acordo com o resultado dos dias anteriores, por isso fui um dos últimos a partir. Aconteceu que no meio do percurso comecei a sentir muito cansaço físico e mental. Eu partira na frente de um britânico (que foi o último a partir) que me alcançou lá pelo ponto 6, mas não tive disposição para dar combate, estava tão cansado que desisti de seguir com ele. Lembro-me que sentia o calor daquela tarde e que a sensação de cansaço era realmente grande lá pelo décimo ponto de controle.
Depois de pegar o ponto 11, o ponto 12 ficava a cerca de 200m, tirei um azimute rápido na bússola de dedo, mas saí mais à esquerda do ponto. Encontrei um prisma e notei logo que não era o meu, fiquei então girando em círculos, tentando achar meu prisma, o que não foi a melhor tática. Devido ao cansaço, já estava sentindo dificuldade para raciocinar com clareza. Depois de muito tempo, resolvi voltar ao ponto anterior; e por incrível que pareça, ainda reconheci o caminho de volta! Quando voltei ao ponto 11, olhei para o relógio: haviam se passado mais de 30 minutos, só naquele erro!! Já comentei que voltar à referência anterior sempre é a melhor opção quando erramos o azimute, e gastei muito tempo por não fazer isso logo, para aprender esta lição. Tirei o azimute novamente e fui caminhando na direção certa – e bati direto do prisma correto! Depois disso ainda havia uma pernada com mais de 1 km, mas fiz com cuidado, procurando as referências do terreno sem errar. Depois dessa pernada já podia ouvir os alto-falantes da área de chegada, e foi uma sensação de grande alívio quando marquei o último ponto de controle e entrei pelo do funil de chegada, para fechar o percurso com 2h 44min, dentro do limite permitido de 3 horas!
Nos dias anteriores o que impressionava era a grande multidão em volta da chegada, com muito barulho e o som dos alto-falantes. Naquele ano havia cerca de 20.000 competidores em cada dia. Mas aquela chegada foi bem diferente, havia poucas pessoas e o pessoal da organização já estava desmontando tudo. Quando entrei no funil de chegada, após marcar o último ponto, o único som que se ouvia era o de martelos despregando coisas, mas que foi substituído por palmas e alguns gritos de saudação, quando o alto-falante anunciou a aproximação de um orientista em especial: o último a chegar de todo o evento!
Foi a maior emoção que já senti em toda minha carreira de atleta! Já passei por grandes momentos, como participar da partida em massa no Jukola Relay, ou de chegar ao final de alguns percursos “zerando a pista” com a torcida da equipe gritando de felicidade. Quando a gente “zera” um percurso, a adrenalina está a mil, e a alegria é muito grande, mas quando se está esgotado, aquelas palmas são a compensação daquele orientista cujo único objetivo era completar seu percurso, e a satisfação é tão grande quanto a de ter sido campeão! Eu sempre me emociono quando lembro daquele momento, mais do que qualquer outro.
Um jornalista da revista Skogssport, da Federação Sueca de Orientação, tirou minha foto e escreveu um pequeno artigo sobre o final do evento. Ele contou no artigo que naquela tarde ficou à espera do último atleta daquele evento. Quando só faltava a minha chegada, ele perguntou ao árbitro de chegada se eu desistiria ou se estaria com todos os pontos marcados corretamente. “Ele nunca desiste” – disse o árbitro – observando os resultados anteriores daquela semana. Quando cheguei, às 16h e 21min, todos os picotes estavam corretos, eu completara todos os percursos, e o evento de orientação no O-Ringen 5 Days de 1990 estava encerrado.
Meus amigos suecos deram os parabéns por eu ter sido o 65° colocado na categoria H21E do O-Ringen, dizendo que não fui o último dos 90 que competiram, pois até o Jörgen Martensson havia desistido e não completou aquela competição.
A principal lição que aprendi foi esta: que é muito importante não desistir e completar um percurso, pois estamos vencendo desafios que são muito difíceis. Além disso, estamos vencendo nossos próprios limites!